quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Tempo que Foge


TEMPO QUE FOGE
(Ricardo Gondim)


Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver
daqui para frente do que já vivi até agora.
Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas.
As primeiras, ele chupou displicente,
mas ao perceber que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Não tolero gabolices.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.
Não participarei de conferências que estabelecem
prazos fixos para reverter a miséria do mundo.
Não vou mais a workshops onde se ensina
como converter milhões usando uma fórmula de poucos pontos.
Não quero que me convidem para eventos de um fim-de-semana
com a proposta de abalar o milênio.
Já não tenho tempo para reuniões intermináveis
para discutir estatutos, normas,
procedimentos parlamentares e regimentos internos.
Não gosto de assembléias ordinárias em que
as organizações procuram se protegere perpetuar
através de infindáveis detalhes organizacionais.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas,
que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Não quero ver os ponteiros do relógio avançando
em reuniões de "confrontação",onde "tiramos fatos à limpo".
Detesto fazer acareação de desafetos
que brigaram pelo majestoso cargo de secretário do coral.
Já não tenho tempo para debater vírgulas,
detalhes gramaticais sutis,
ou sobre as diferentes traduções da Bíblia.
Não quero ficar explicando porque gosto
da Nova Versão Internacional das Escrituras,
Só porque há um grupo que a considera herética.
Minha resposta será curta e delicada:- Gosto, e ponto final!
Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou:
"As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos".
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos.
Já não tenho tempo para ficar explicando aos medianos
se estou ou não perdendo a fé
porque admiro a poesia do Chico Buarque e do Vinicius de Moraes;
a voz da Maria Bethânia; os livros de Machado de Assis,
Thomas Mann, Ernest Hemingway e José Lins do Rego.
Sem muitas jabuticabas na bacia,
quero viver ao lado de gente humana, muito humana;
que sabe rir de seus tropeços,
não se encanta com triunfos,
não se considera eleita para a "última hora";
não foge de sua mortalidade,
defende a dignidade dos marginalizados,
e deseja andar humildemente com Deus.
Caminhar perto delas nunca será perda de tempo.


FIM

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